Friday, August 26, 2011

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E O FUTURO DA FLORESTA: Uma Viagem ao Céu do Mapiá

Mapia-Foster-misc 119

(Traduzido por Celso Gusman, Guilherme Barcellos e Marco Aurelio Chibiaque)

No final de julho tive o prazer de acompanhar Foster Brown em sua visita à Vila Céu do Mapiá, comunidade espiritual do Santo Daime, com 28 anos de existência e com aproximadamente 1000 habitantes vivendo na Floresta Nacional do Purus, no estado do Amazônas. Foster é professor de ecologia na Universidade Federal do Acre e cientista integrante do Woods Hole Research Center. Especialista em monitoramento via satelite e sensoriamento remoto de climas e florestas.

Recentemente, Foster esteve viajando por comunidades situadas em cidades e florestas numa região que engloba três países (tri-nacional), de acordo com o MAP acrônimo -- Madre de Dios no Peru, Acre no Brazil e Pando na Bolivia -- que é um dos maiores centros Amazônicos em biodiversidade e também um centro econômico que mescla comércio globalizado e desenvolvimento da economia local.

Foster disse: "Gosto muito de visitar comunidades nas florestas. O que eu falo, não é abstrato para eles. Eles veem o que está acontecendo e estão muito curiosos para entender qual a causa real de tudo isso."

Durante a viagem de carro que vai de Rio Branco ao rio Purus, Foster me perguntou: "Lou, onde você está enxergando a possibilidade de uma estoria para seu blog nesta viagem, afinal, eu só vou fazer uma apresentação?" Eu tive que dizer, "Eu não sei exatamente, mas uma viagem ao Céu do Mapiá geralmente rende muitas estórias. Vamos ver o que vem à superfície se mostrando como algo que realmente importa."

Tendo percorrido 190 km de Rio Branco, a estrada atravessou uma ampla faixa de terras, antigas florestas, desmatadas, transformadas em pasto para criação de gado (existe aproximadamente 450.000 cabeças de gado espalhadas pelo município). Perguntamos ao nosso motorista, residente em Boca do Acre, porque havia tão pouco tráfego numa estrada recem pavimentada e como estava a vida das pessoas de Boca do Acre.

Cattle pasture along the road to Boca da Acre
Pastagem ao londo da estrada para Boca do Acre

Ele disse que havia muito desemprego porque o governo estava parando com o desmatamento, mas as pessoas estavam otimista com relação ao futuro pois um novo porto e novo depósito foram planejados para a realização do transporte de produtos que vão do Vale do Purus, passando por esta estrada, até a nova estrada intercontinental para o Pacífico.

Depois de passar a noite em Boca do Acre, descemos até as docas que ficam na confluencia do Rio Acre com o rio Purus, e seguimos nosso caminho

Confluence of Acre and Purus rivers
Confluência dos rios Acre e Purus

Jose
José

Nosso barqueiro, José, disse que o rio estava muito baixo, muito antes do tempo que geralmente o rio baixa -- dois meses antecedendo a seca recorde do ano passado -- e que não seria possível viajarmos pela água no igarapé Mapiá.

Havia muitos sinais ao longo do Purus do quanto o nível da água tinha baixado. Veja o barco encalhado do lado direito na foto abaixo - ele está a 10 metros encosta.

Mapia-Foster-misc 343_edit

O igarapé Mapiá estava muito baixo e difícil de entrar

Mapia-Foster-misc 040_edit

Mapia-Foster-misc 043_edit

Mapia-Foster-misc 047_edit

Devido ao baixo nivel da agua, tivemos de parar em uma fazenda que fornece parte dos alimentos para a comunidade. Continuamos cerca de 44 quilômetros (cerca de 30 milhas) ao longo de uma pequena estrada que atravessa a floresta, paralela ao igarapé.

SDC16568_edit

SDC16569_edit

No Mapiá, propriamente dito, havia muitos barcos, mas pouco movimento no igarapé. Desde a grande seca de 2005, a comunidade tem sido inacessíveis de barco durante a estação seca (é por isso que a estrada teve que ser construída). Em 2005, pensava-se que a grande seca fosse um evento que ocorre a cada 100 anos. Mas a seca de 2010 foi ainda mais grave e agora existe a possibilidade de que a estação seca deste ano seja na mesma intensidade ou pior.

Mapia-Foster-misc 168_edit


Alguns modelos de longo alcance do clima, sugerem que este tipo de situação pode se tornar a situação "normal" e que a Bacia Amazônica está mudando o padrão das estações. A mudança climática foi o tema da palestra de Foster a noite.


Mapia-Foster-misc 128

A apresentação aconteceu no centro espiritual do Mapiá, uma bela igreja que também é a Matriz das muitas igrejas do Cefluris, (segmento do movimento do Santo Daime), espalhadas pelo mundo. A comunidade foi fundada pelo Padrinho Sebastiao Mota de Melo. Seu filho, Padrinho Alfredo - atual lider desta linha - e muitos outros, estavam presentes.

Mapia-Foster-misc 127


Foster começou descrevendo o sistema de clima global e como o aquecimento do clima no planeta estava influenciando a estações secas e úmidas da Amazônia. Ele apresentou o registro histórico mostrando que eventos climáticos atuais aconteceram devido a fatores que extrapolam a "variação natural", e como os novos padrões estão impactando a floresta local.

Mapia-Foster-misc 122

Resumindo a estória, o efeito estufa causado por emissão de gases de combustível, provocado pela sociedade industrial moderna, bem como a devastação da floresta para atender a produção de alimentos da população que cresce a cada dia, tem aumentado drasticamente a temperatura global. Uma das consequencias é o aumento da temperatura das águas do oceano, que é fator determinante de onde e quando a chuva cairá sobre o continente. O resultado é a alteração do clima, que inclui eventos drásticos como enchentes e grandes períodos de estiagem.

Na Amazonia, sob suas condições originais, ou seja, em seu antigo padrão climático, chuvas ocasionais da estação seca e o retorno completo da estação chuvosa, podiam ser esperados para manter a floresta úmida, impedindo o avanço do fogo em direção às florestas, causado pelos agricultores na "época da queima". No entanto, esse "sistema natural" de proteção, proporcionado pelas estações chuvosas, foi rompido, e o padrão climático tornou-se imprevisível, errático, gerando tanto inundações descontroladas como secas descontroladas. A reincidência de mais secas, mais queimadas, mais emissões de gases e aumento da temperatura, tornam a situação ainda pior.

Apesar das noticias enfatizarem a ocorrencia de enchentes no sul do Brasil, na Amazonia elas acontecem as vezes também. Todavia, longos periodos de estiagens têm sido o maior foco dos problemas. De fato, o Estado do Acre tem sido o epicentro destas estiagens. Esta região parece caminhar em direção à um novo clima que inclui a incidencia de eventos climáticos cada veis mais extremos e imprevisíveis.

Claro, as pessoas estavam preocupadas e perguntaram "O que pode ser feito sobre esse novo cenario e o que nos aqui podemos fazer?".


Os workshops dos dias seguintes estavam focados para estas questoes. Os trabalhos da manhã foram voltados à compreensão da relação entre a Amazonia e o clima. Foster começou localizando o Mapiá no cenário global.

Mapia-Foster-misc 200

Depois uma experiência prática foi preparada do lado de fora, prendendo um saco plástico ao redor de um punhado de folhas de uma árvore, um experimento ao qual o grupo voltaria depois da sessão matinal que foi construída ao redor da discussão sobre as implicações do modelo da nova ciência do clima. Ela começou com um vídeo do cientista do clima brasileiro Antonio Nobre.

Cientistas climáticos tem um tópico desafiador. Como peixes em um oceano não veem a água, nós humanos não percebemos a atmosfera ao nosso redor. No Brasil dizemos, “o que os olhos não veem o coração não sente”. Com poesia e imagens, Nobre pinta uma visão mais vívida com animações da circulação da umidade global que faz aquela conexão vital. Na verdade, esta nova imagem, como a vista da Terra desde o espaço, pode ser a “virada do jogo” para nossa consciência.

SDC16628

Não há na verdade modo algum de comunicar efetivamente as complexidades do ciclo da água na Amazônia com palavras secas, fatos e números. É algo que precisa ser visto, vivido.Eu te peço para assistir ao vídeo e “ver e sentir por você mesmo”.



[nota: para ver o vídeo com legendas, clique no botão CC no canto inferior direito do visualizador. Clicando ali aparecerão as opções de legendas em Inglês, Português ou Espanhol.]

Foster passou o resto da manhã explicando os pormenores do clima Amazônico. A Bacia Amazônica recebe e devolve ao oceano 20 por cento de toda a chuva que cai na terra. Todos os dias esvazia 17 bilhões de toneladas métricas de água no mar. Mas de onde vem toda esta chuva? Basicamente, há um rio no céu, um sistema de circulação da umidade global que troca água entre a terra e o oceano.

Apesar de ser fácil entender que a gravidade impele a umidade atmosférica a cair na terra como chuva, mais difícil é saber como a umidade viaja para cima na atmosfera. Alguma umidade, claro, é o resultado da simples evaporação mas não toda. Árvores, porque suas raízes puxam água do solo e suas folhas expelem a umidade em um processo chamado transpiração, funcionam como bombas mandando água em direção ao céu. E quanto mais quente, mais elas bombeam – funcionando como gêiseres.

Então, Foster levou todos para fora para observar o experimento que tinha sido preparado anteriormente com um saco plástico amarrado ao redor de algumas folhas. O calor do sol tropical tinha forçado a transpiração e a umidade estava invisivelmente subindo. Mas, presa no saco plástico, agora era altamente visível.

Mapia-Foster-misc 207

Mapia-Foster-misc 210

Uma única árvore pode bombear até 1.000 litros de umidade por dia. A Floresta Amazônica tem 600 bilhões de árvores e o rio no céu recebe 20 bilhões de toneladas métricas de água diaraiamente, 3 bilhões a mais do que o Rio Amazonas despeja no oceano. O processo é dirigido pelo calor do Sol. Cada dia há um grande pulsar de água em direção ao céu. Como as árvores agem como gêiseres, a Floresta Amazônica se torna um coração bombeando a circulação de um sistema global de clima.

Com esta observação, paramos para o almoço

Mapia-Foster-misc 224

A sessão da tarde foi devotada âs discussões sobre o que poderia ser feito.

Mapia-Foster-misc 235_crop

Foster enfatizou a conexão global e a necessidade de reduzir as emissões provindas do uso de combustíveis fósseis e lembrou que 20 por cento vem do desmatamento. Ele falou sobre a conclusão científica amplamente acatada de que o mundo precisa reduzir a concentração atmosférica de dióxido de carbono para 350 partes por milhão. Ele alertou para as campanhas de ação do cidadão global que estão sendo organizadas sob a bandeira da 350.org e sugeriu que o Mapiá participasse da campanha Planeta em Movimento agendada para 24 de setembro de 2011.

Mapia-Foster-misc 233_crop

Padrinho Alex Polari falou sobre as iniciativas que estão em andamento no Mapiá que incluem programas de agrofloresta onda a comida e árvores crescem juntas em um estilo que copia a floresta natural e programas de saúde ambiental e reciclagem. Tanto a reciclagem quanto a agricultura local reduzem o consumo de combustível fóssil. E a agrofloresta pode ajudar a restaurar o solo e reduzir outros desmatamentos.


Mapia-Foster-misc 133

Mapia-Foster-misc 239


Daí, sentamos em um grande círculo para conversarmos sobre como o Mapíá entra na visão global. Foi lembrado que Antonio Nobre havia mencionado uma idéia poderosa no vídeo. Ele disse que, embora a atividade humana tenha causado grande dano, a situação poderia ser revertida ao se restaurar as florestas – plantar árvores e restaurar florestas poderia ser "reflorestar a biosfera."


Mapia-Foster-misc 231

Foi sugerido que a comunidade do Mapiá pudesse ser tal jardineiro ao encontrar maneiras de parar o desmatamento e plantar comida junto com árvores; que histórias sobre o que ela está fazendo poderiam servir como sementes espalhadas no mundo. Ela poderia ser um modelo.

Cantou-se um hino famoso do Mestre Irineu, fundador da religião do Santo Daime.


Jardineiro

Minha Mãe, minha Rainha
Foi Ela que me ensinou
Para mim ser jardineiro
No Jardim de Belas Flores

No Jardim de Belas Flores
Tem tudo que eu procurar
Tem primor e tem beleza
Tem tudo que Deus me dá

Todo mundo recebe
As flores que vêm de lá
Mas ninguém presta atenção
Ninguém sabe aproveitar

Para zelar este jardim
Precisa muita atenção
Que as flores são muito finas
Não podem cair no chão

O Jardim de Belas Flores
Precisa sempre aguar
Com as preces e os carinhos
Ao nosso Pai Universal


Quando o círculo foi dissolvido, Foster se juntou a um grupo no centro de telecomunicações da comunidade para mostrar como se ligar em websites de monitoramento de satélites e na campanha Moving Planet. O processo de conectar o Mapiá com o mundo e se tornar um modelo estava definitivamente no ar.


Mapia-Foster-misc 267


Seguindo um longo dia de oficinas, Foster e Alex passaram muitas horas conversando sobre seus projetos, planos e esperanças de um mundo melhor.

Mapia-Foster-misc 080_5x8


No dia seguinte partimos do Mapiá com muitas memórias amáveis do modo como fomos tão graciosamente acolhidos no lar do Padrinho Alex and Sonia Polari

Mapia-Foster-misc 285

e o modo como Padrinho Alfredo nos fez sentir bem vindos na comunidade.

Mapia-Foster-misc 295

Por último, mas não menos importante, seria a lembrança de gente jovem que está se conectando com o mundo e se tornando os jardineiros do futuro.

SDC16638






1 comment:

Cristiane A Costa said...

Po Lou,

Eu fiquei maravilhada com tudo que li e vi dentro desse relato que você faz tão bem da visita com o amigo Foster ao Mapiá.

Me senti como se viajasse junto com vocês por entre a estrada que corta uma paisagem de desmatamento florestal, através do rio de águas escassas ou pelo pequeno caminho que atravessa a Floresta e nos leva ao Mapiá.

As imagens em fotografia das pessoas recebendo os visitantes mostram o interesse delas pelo que seria trazido e colocado para cada um ali presente.

Fiquei extremamente impressionada com o vídeo apresentado em que o cientista Antônio Donato faz uma bela apresentação do maravilhoso sistema em que habitamos. Hoje eu vivo na região amazônica e não tinha ainda me dado conta que estou no coração do planeta. Isso é realmente fascinante. Não tinha me dado conta do quão especial é a Amazônia para a saúde de nosso pequeno, mas tão belo planeta.

Aprendi um pouco mais sobre a tecnologia da natureza através de seu sistema cíclico onde cada criatura, seja animada ou não, trabalha em conjunto para que a máquina viva funcione em perfeita harmonia.

Mais que uma abordagem científica, meramente informativa, esse relato nos apresenta também o espírito da floresta. Aquele grande espírito que falou a Davi Kopenawa sobre a importância de não desmatar. Nos permite, da mesma forma, nos aproximar da comunidade do Mapiá e refletir com atenção a necessidade de um emprenho de todos nós na preservação do meio ambiente.

E como muito bem diz o hino do Mestre Irineu:

“Minha Mãe, minha Rainha
Foi Ela que me ensinou
Para mim ser jardineiro (...)

Para zelar este jardim
Precisa muita atenção
Que as flores são muito finas
Não podem cair no chão (...)”

Esse hino é um chamado para que olhemos com mais atenção para belo jardim que nos cerca e, mais que isso, que nos proponhamos a aprender o ofício da jardinagem nos tornando bons jardineiros, cuidando com amor do jardim de nosso Senhor.

Obrigada Lou por essa bela estória que você nos trás.

Cristiane A Costa