Friday, August 26, 2011

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E O FUTURO DA FLORESTA: Uma Viagem ao Céu do Mapiá

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(Traduzido por Celso Gusman, Guilherme Barcellos e Marco Aurelio Chibiaque)

No final de julho tive o prazer de acompanhar Foster Brown em sua visita à Vila Céu do Mapiá, comunidade espiritual do Santo Daime, com 28 anos de existência e com aproximadamente 1000 habitantes vivendo na Floresta Nacional do Purus, no estado do Amazônas. Foster é professor de ecologia na Universidade Federal do Acre e cientista integrante do Woods Hole Research Center. Especialista em monitoramento via satelite e sensoriamento remoto de climas e florestas.

Recentemente, Foster esteve viajando por comunidades situadas em cidades e florestas numa região que engloba três países (tri-nacional), de acordo com o MAP acrônimo -- Madre de Dios no Peru, Acre no Brazil e Pando na Bolivia -- que é um dos maiores centros Amazônicos em biodiversidade e também um centro econômico que mescla comércio globalizado e desenvolvimento da economia local.

Foster disse: "Gosto muito de visitar comunidades nas florestas. O que eu falo, não é abstrato para eles. Eles veem o que está acontecendo e estão muito curiosos para entender qual a causa real de tudo isso."

Durante a viagem de carro que vai de Rio Branco ao rio Purus, Foster me perguntou: "Lou, onde você está enxergando a possibilidade de uma estoria para seu blog nesta viagem, afinal, eu só vou fazer uma apresentação?" Eu tive que dizer, "Eu não sei exatamente, mas uma viagem ao Céu do Mapiá geralmente rende muitas estórias. Vamos ver o que vem à superfície se mostrando como algo que realmente importa."

Tendo percorrido 190 km de Rio Branco, a estrada atravessou uma ampla faixa de terras, antigas florestas, desmatadas, transformadas em pasto para criação de gado (existe aproximadamente 450.000 cabeças de gado espalhadas pelo município). Perguntamos ao nosso motorista, residente em Boca do Acre, porque havia tão pouco tráfego numa estrada recem pavimentada e como estava a vida das pessoas de Boca do Acre.

Cattle pasture along the road to Boca da Acre
Pastagem ao londo da estrada para Boca do Acre

Ele disse que havia muito desemprego porque o governo estava parando com o desmatamento, mas as pessoas estavam otimista com relação ao futuro pois um novo porto e novo depósito foram planejados para a realização do transporte de produtos que vão do Vale do Purus, passando por esta estrada, até a nova estrada intercontinental para o Pacífico.

Depois de passar a noite em Boca do Acre, descemos até as docas que ficam na confluencia do Rio Acre com o rio Purus, e seguimos nosso caminho

Confluence of Acre and Purus rivers
Confluência dos rios Acre e Purus

Jose
José

Nosso barqueiro, José, disse que o rio estava muito baixo, muito antes do tempo que geralmente o rio baixa -- dois meses antecedendo a seca recorde do ano passado -- e que não seria possível viajarmos pela água no igarapé Mapiá.

Havia muitos sinais ao longo do Purus do quanto o nível da água tinha baixado. Veja o barco encalhado do lado direito na foto abaixo - ele está a 10 metros encosta.

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O igarapé Mapiá estava muito baixo e difícil de entrar

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Devido ao baixo nivel da agua, tivemos de parar em uma fazenda que fornece parte dos alimentos para a comunidade. Continuamos cerca de 44 quilômetros (cerca de 30 milhas) ao longo de uma pequena estrada que atravessa a floresta, paralela ao igarapé.

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No Mapiá, propriamente dito, havia muitos barcos, mas pouco movimento no igarapé. Desde a grande seca de 2005, a comunidade tem sido inacessíveis de barco durante a estação seca (é por isso que a estrada teve que ser construída). Em 2005, pensava-se que a grande seca fosse um evento que ocorre a cada 100 anos. Mas a seca de 2010 foi ainda mais grave e agora existe a possibilidade de que a estação seca deste ano seja na mesma intensidade ou pior.

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Alguns modelos de longo alcance do clima, sugerem que este tipo de situação pode se tornar a situação "normal" e que a Bacia Amazônica está mudando o padrão das estações. A mudança climática foi o tema da palestra de Foster a noite.


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A apresentação aconteceu no centro espiritual do Mapiá, uma bela igreja que também é a Matriz das muitas igrejas do Cefluris, (segmento do movimento do Santo Daime), espalhadas pelo mundo. A comunidade foi fundada pelo Padrinho Sebastiao Mota de Melo. Seu filho, Padrinho Alfredo - atual lider desta linha - e muitos outros, estavam presentes.

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Foster começou descrevendo o sistema de clima global e como o aquecimento do clima no planeta estava influenciando a estações secas e úmidas da Amazônia. Ele apresentou o registro histórico mostrando que eventos climáticos atuais aconteceram devido a fatores que extrapolam a "variação natural", e como os novos padrões estão impactando a floresta local.

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Resumindo a estória, o efeito estufa causado por emissão de gases de combustível, provocado pela sociedade industrial moderna, bem como a devastação da floresta para atender a produção de alimentos da população que cresce a cada dia, tem aumentado drasticamente a temperatura global. Uma das consequencias é o aumento da temperatura das águas do oceano, que é fator determinante de onde e quando a chuva cairá sobre o continente. O resultado é a alteração do clima, que inclui eventos drásticos como enchentes e grandes períodos de estiagem.

Na Amazonia, sob suas condições originais, ou seja, em seu antigo padrão climático, chuvas ocasionais da estação seca e o retorno completo da estação chuvosa, podiam ser esperados para manter a floresta úmida, impedindo o avanço do fogo em direção às florestas, causado pelos agricultores na "época da queima". No entanto, esse "sistema natural" de proteção, proporcionado pelas estações chuvosas, foi rompido, e o padrão climático tornou-se imprevisível, errático, gerando tanto inundações descontroladas como secas descontroladas. A reincidência de mais secas, mais queimadas, mais emissões de gases e aumento da temperatura, tornam a situação ainda pior.

Apesar das noticias enfatizarem a ocorrencia de enchentes no sul do Brasil, na Amazonia elas acontecem as vezes também. Todavia, longos periodos de estiagens têm sido o maior foco dos problemas. De fato, o Estado do Acre tem sido o epicentro destas estiagens. Esta região parece caminhar em direção à um novo clima que inclui a incidencia de eventos climáticos cada veis mais extremos e imprevisíveis.

Claro, as pessoas estavam preocupadas e perguntaram "O que pode ser feito sobre esse novo cenario e o que nos aqui podemos fazer?".


Os workshops dos dias seguintes estavam focados para estas questoes. Os trabalhos da manhã foram voltados à compreensão da relação entre a Amazonia e o clima. Foster começou localizando o Mapiá no cenário global.

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Depois uma experiência prática foi preparada do lado de fora, prendendo um saco plástico ao redor de um punhado de folhas de uma árvore, um experimento ao qual o grupo voltaria depois da sessão matinal que foi construída ao redor da discussão sobre as implicações do modelo da nova ciência do clima. Ela começou com um vídeo do cientista do clima brasileiro Antonio Nobre.

Cientistas climáticos tem um tópico desafiador. Como peixes em um oceano não veem a água, nós humanos não percebemos a atmosfera ao nosso redor. No Brasil dizemos, “o que os olhos não veem o coração não sente”. Com poesia e imagens, Nobre pinta uma visão mais vívida com animações da circulação da umidade global que faz aquela conexão vital. Na verdade, esta nova imagem, como a vista da Terra desde o espaço, pode ser a “virada do jogo” para nossa consciência.

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Não há na verdade modo algum de comunicar efetivamente as complexidades do ciclo da água na Amazônia com palavras secas, fatos e números. É algo que precisa ser visto, vivido.Eu te peço para assistir ao vídeo e “ver e sentir por você mesmo”.



[nota: para ver o vídeo com legendas, clique no botão CC no canto inferior direito do visualizador. Clicando ali aparecerão as opções de legendas em Inglês, Português ou Espanhol.]

Foster passou o resto da manhã explicando os pormenores do clima Amazônico. A Bacia Amazônica recebe e devolve ao oceano 20 por cento de toda a chuva que cai na terra. Todos os dias esvazia 17 bilhões de toneladas métricas de água no mar. Mas de onde vem toda esta chuva? Basicamente, há um rio no céu, um sistema de circulação da umidade global que troca água entre a terra e o oceano.

Apesar de ser fácil entender que a gravidade impele a umidade atmosférica a cair na terra como chuva, mais difícil é saber como a umidade viaja para cima na atmosfera. Alguma umidade, claro, é o resultado da simples evaporação mas não toda. Árvores, porque suas raízes puxam água do solo e suas folhas expelem a umidade em um processo chamado transpiração, funcionam como bombas mandando água em direção ao céu. E quanto mais quente, mais elas bombeam – funcionando como gêiseres.

Então, Foster levou todos para fora para observar o experimento que tinha sido preparado anteriormente com um saco plástico amarrado ao redor de algumas folhas. O calor do sol tropical tinha forçado a transpiração e a umidade estava invisivelmente subindo. Mas, presa no saco plástico, agora era altamente visível.

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Uma única árvore pode bombear até 1.000 litros de umidade por dia. A Floresta Amazônica tem 600 bilhões de árvores e o rio no céu recebe 20 bilhões de toneladas métricas de água diaraiamente, 3 bilhões a mais do que o Rio Amazonas despeja no oceano. O processo é dirigido pelo calor do Sol. Cada dia há um grande pulsar de água em direção ao céu. Como as árvores agem como gêiseres, a Floresta Amazônica se torna um coração bombeando a circulação de um sistema global de clima.

Com esta observação, paramos para o almoço

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A sessão da tarde foi devotada âs discussões sobre o que poderia ser feito.

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Foster enfatizou a conexão global e a necessidade de reduzir as emissões provindas do uso de combustíveis fósseis e lembrou que 20 por cento vem do desmatamento. Ele falou sobre a conclusão científica amplamente acatada de que o mundo precisa reduzir a concentração atmosférica de dióxido de carbono para 350 partes por milhão. Ele alertou para as campanhas de ação do cidadão global que estão sendo organizadas sob a bandeira da 350.org e sugeriu que o Mapiá participasse da campanha Planeta em Movimento agendada para 24 de setembro de 2011.

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Padrinho Alex Polari falou sobre as iniciativas que estão em andamento no Mapiá que incluem programas de agrofloresta onda a comida e árvores crescem juntas em um estilo que copia a floresta natural e programas de saúde ambiental e reciclagem. Tanto a reciclagem quanto a agricultura local reduzem o consumo de combustível fóssil. E a agrofloresta pode ajudar a restaurar o solo e reduzir outros desmatamentos.


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Daí, sentamos em um grande círculo para conversarmos sobre como o Mapíá entra na visão global. Foi lembrado que Antonio Nobre havia mencionado uma idéia poderosa no vídeo. Ele disse que, embora a atividade humana tenha causado grande dano, a situação poderia ser revertida ao se restaurar as florestas – plantar árvores e restaurar florestas poderia ser "reflorestar a biosfera."


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Foi sugerido que a comunidade do Mapiá pudesse ser tal jardineiro ao encontrar maneiras de parar o desmatamento e plantar comida junto com árvores; que histórias sobre o que ela está fazendo poderiam servir como sementes espalhadas no mundo. Ela poderia ser um modelo.

Cantou-se um hino famoso do Mestre Irineu, fundador da religião do Santo Daime.


Jardineiro

Minha Mãe, minha Rainha
Foi Ela que me ensinou
Para mim ser jardineiro
No Jardim de Belas Flores

No Jardim de Belas Flores
Tem tudo que eu procurar
Tem primor e tem beleza
Tem tudo que Deus me dá

Todo mundo recebe
As flores que vêm de lá
Mas ninguém presta atenção
Ninguém sabe aproveitar

Para zelar este jardim
Precisa muita atenção
Que as flores são muito finas
Não podem cair no chão

O Jardim de Belas Flores
Precisa sempre aguar
Com as preces e os carinhos
Ao nosso Pai Universal


Quando o círculo foi dissolvido, Foster se juntou a um grupo no centro de telecomunicações da comunidade para mostrar como se ligar em websites de monitoramento de satélites e na campanha Moving Planet. O processo de conectar o Mapiá com o mundo e se tornar um modelo estava definitivamente no ar.


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Seguindo um longo dia de oficinas, Foster e Alex passaram muitas horas conversando sobre seus projetos, planos e esperanças de um mundo melhor.

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No dia seguinte partimos do Mapiá com muitas memórias amáveis do modo como fomos tão graciosamente acolhidos no lar do Padrinho Alex and Sonia Polari

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e o modo como Padrinho Alfredo nos fez sentir bem vindos na comunidade.

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Por último, mas não menos importante, seria a lembrança de gente jovem que está se conectando com o mundo e se tornando os jardineiros do futuro.

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Tuesday, October 12, 2010

10/10/10 - Mobilização em Rio Branco, 
Acre e mais além.

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[Traduzido por Flavio Encarnação]

No dia 10 de outubro de 2010 milhares de pessoas se mobilizaram em todo o planeta em mais de 7347 eventos em 188 países para um compromisso com a solução
da crise climática. Aqui vai o relato das atividades levadas a cabo na Universidade UNINORTE, em Rio Branco, Acre.

A professora Vera Reis deu as boas-vindas a um grupo de aproximadamente 75 pessoas que levantaram cedo no domingo de manhã. Vera e os estudantes de suas aulas de Estudos Ambientais conceberam e organizaram os eventos do dia.

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O professor Foster Brown, da Universidade Federal do Acre e cientista, do Centro de Pesquisa Woods Hole, fez um apelo eloquente pela ação efetiva dos cidadãos para conter a tendência ao aquecimento global, mostrando que o tempo está se esgotando.

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Após uma explicação sobre o entendimento corrente dos cientistas sobre as mudanças climáticas, ele falou sobre o movimento 350.org e sobre como este movimento vem tornando visíveis para as pessoas em todo o mundo as abstrações da ciência e as invisíveis mudanças que acontecem na atmosfera.




A platéia assistiu com interesse, pensando seriamente sobre o que poderia ser feito para alterar a perigosa trajetória a que os humanos têm sujeitado o planeta. Como poderia começar uma mudança real? Aqui?

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Foster nos contou a inspiradora história de Frei Heitor, que um dia imaginou:

Imagine, ele disse, que ele e Padre André, outro missionário italiano, convencessem um ao outro de como viver em harmonia com a Terra e um com o outro. No dia seguinte, cada um deles convenceria uma outra pessoa. No terceiro dia os quatro já convictos convenceriam mais quatro pessoas, e assim por diante pelos dias subsequentes, cada um influenciando uma pessoa por dia. Quantos dias demoraria para convencer o mundo inteiro? Frei Heitor fez o cálculo durante uma viagem de canoa no Rio Acre em abril passado.

"Trinta e três dias!", ele exclamou, batendo com o dedo em meu joelho. "Nós podemos mudar o mundo em um mês se quisermos!"

Depois todos saíram para criar com os corpos o número 350 e apresentar as mudas de árvores que pretendem plantar, uma performance que leva à ação.




Então Flávio Encarnação contou a história dos férteis solos amazônicos chamados de "Terra Preta de Índios" e sobre como nos dias de hoje o processo de pirólise desenvolvido na tentativa de reproduzir esses solos pode criar um carvão ecológico chamado BIOCHAR a partir dos resíduos agriculturais ou orgânicos, que pode ser usado para sequestro de carbono da atmosfera para o subsolo, onde auxiliará na produtividade das plantas, oferecendo uma solução parcial para, a um só tempo, aquecimento global e segurança alimentar.

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O que levou a posteriores conversas com Marta sobre a possibilidade de utilização do BIOCHAR para restaurar as florestas em áreas degradadas adjacentes ao Parque Chico Mendes, aqui mesmo em Rio Branco.

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Assim vamos. Começamos com uma boa idéia como o movimento 350.org ou a Iniciativa Internacional do Biochar. Então inicia-se uma conversação. Em seguida vem a ação local. Talvez não aconteça nos 33 dias do Frei Heitor, mas com certeza é essa a maneira para mudar o mundo.

Veja alguns destaques sobre como isso está começando a acontecer em todo o mundo.



Meus agradecimentos a Vera, Foster, Flavio e todos os outros voluntários que fizeram do 10/10/10 DIA GLOBAL DE SOLUÇÕES CLIMÁTICAS em Rio Branco um grande sucesso.

Flavio, Vera and Foster


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Friday, July 31, 2009

O SAGRADO PEDIR


[Traduzido por Ana Spinelli]

(Uma viagem mental e visual puramente pessoal).

Costuma-se dizer que o crescimento espiritual começa quando se pede, e que todo mundo recebe de acordo com sua natureza. Dizer “dai-me”, especialmente em um contexto sagrado, é o mesmo que receber.

Humility is the Symbol of Nobility

Na prática da Doutrina do Santo Daime na Fortaleza, a principal orientação é o lema: “Humildade é o símbolo da nobreza”. Isso conecta o pedir com o ter humildade.

Devo confessar que nem sempre é assim tão simples ou fácil. Na verdade, ainda vivo o desafio de tomar cuidado com o que peço. Em certo sentido, o poder de limpeza do Daime é um projeto de autopercepção que coloca um espelho à nossa frente. Nele nos olhamos. Desapegamos-nos do que é desnecessário. Firmamos nossas aspirações. Aprendemos a ser humildes e cuidadosos com aquilo que pedimos.

Acho que outros fazem algo similar. Estamos todos passando por uma limpeza, um aperfeiçoamento, um crescimento. Mas o objetivo está sempre movendo-se em direção a algo melhor. Aqui, ninguém descansa por muito tempo. Há sempre um Novo Horizonte a alcançar.

Embora eu tenha o dom da comunicação, tem sido um desafio viver entre meus amigos e minha família espirituais, falantes do português. É comum que o abismo idiomático me deixe baratinado, e esse é um motivo importante pelo qual eu sempre acabo recorrendo à arte visual. Com a câmera e o computador, busco formas de expressar a beleza que vejo. E é ótimo que eu adore produzir imagens tanto quanto aprecio falar.

Melhor ainda é ter cenários como esse para fotografar...

Lago Fortaleza

E uma mesa de trabalho como essa…

My Fortaleza Work Station

Uma noite tive a grata surpresa de ser visitado por uma nova amiga falante de inglês. Ela queria saber sobre a “minha história”, e isso me deu a oportunidade única de usar palavras, um monte delas! Ao contar a história, observei minha trajetória até aqui através de minhas lentes de morador da Fortaleza.

Revi minha juventude tão plena de aspirações. Nela, eu procurava formas de me “apresentar”; hoje, isso parece ter sido um jeito inteligente e bem-sucedido, embora um tanto fraudulento, de lidar com a própria imagem. Chama-se “faz-de-conta”. Lembro-me de ter dito, em um momento de desespero: “Por que não posso ser um dom em mim mesmo? Por que não podemos todos ser dons? Por que escondemos a criança interior? Não seria nosso direito de nascença termos uma vida de amor e beleza?”

Como é bom sonhar, não? Entretanto, todo o meu treinamento social ensinou-me que a realidade não funciona assim.

Minha compreensão só começou a mudar durante os meus anos como ativista, passando noites em claro durante todo o verão na antiga floresta de Bald Mountain, no sul do Oregon (estado dos EUA). Ali, pela primeira vez, fui capaz de ser simplesmente eu mesmo, de unir meu amor quase infantil pela natureza, meu desejo espiritual em servir a Rainha da Floresta e meu trabalho político pela proteção da comunidade florestal cheia de vida.

Na floresta, meu trabalho era bem simples: simplesmente estar ali e contar a história. Uma das formas de realiza-lo era caminhar pelos bosques ancestrais de pinheiros imponentes, recitando infinitas variações de uma oração simples do povo Navajo:

Com a beleza à minha frente, eu caminho
Com a beleza atrás de mim, eu caminho
Com a beleza acima de mim, eu caminho
Com a beleza abaixo de mim, eu caminho
Com a beleza dentro de mim, eu caminho
Com a beleza em toda a minha volta, eu caminho


E eu costumava acrescentar:

Toque a Terra e Seja Abençoado

Ela é mesmo linda.
Ela é mesmo linda.
Ela é mesmo linda.
Ela é mesmo linda.


No encantamento da Floresta Ancestral do Pacífico Nordeste, aprendi que o sonho da criança poderia ser uma realidade viva, e que eu poderia compartilhar publicamente quem eu sou.

Acredito que esse encantamento voltou, aqui na Fortaleza. Certamente me sinto abençoado por estar em um lugar tão lindo, com uma comunidade que realmente valoriza a nossa criança interior. Eu recebi o que pedi: caminho na beleza e conto a história. Mas agora passei a fazê-lo não como um ermitão solitário, mas como um membro da comunidade.

Desnecessário dizer que estou empolgado. Há algo nessa criança interior que me faz querer caminhar na beleza, criar arte e brincar visualmente. Essa viagem, na minha imaginação, por vezes é como ser levado no colo por uma poderosa mãe primordial.

The Journey

Nem sempre é fácil caminhar na beleza. Às vezes requer um esforço descomunal, mas eu amo o que faço. Na tradição do Santo Daime, chama-se a isso de “a batalha”. Dizemos que bebemos Daime para trabalhar com força e vigor. O desafio é permanecermos humildes e mantermos um equilíbrio confortável entre desejo e conformação. Como diz o grande hino do Padrinho Sebastião: “Eu não sou Deus, mas tenho uma esperança”.

Ás vezes, é como tentar alcançar as estrelas... e por que não tentar?

Shooting for the Stars

Na Fortaleza, nossa história não está tão relacionada a aventuras espirituais exóticas no coração da mata. Ela trata de como a como a população comum de origem acreana e os recém-chegados de lugares distantes vêm trabalhando para expandir a Doutrina viva do Santo Daime, ao realizarem várias cerimônias, receberem visitantes e construírem uma comunidade. Aqui, os ensinos espirituais se desdobram em um contexto realista, em que as pessoas têm empregos e sustentam famílias com as mesmas aspirações encontradas normalmente. Elas também esperam chegar a uma vida mais saudável, feliz e equilibrada, em harmonia com a natureza.

Felizmente, somos abençoados por trabalhar em conjunto com esses amorosos exemplos:

Mestre Conselheiro Luiz Mendes

Mestre Conselheiro Luiz Mendes

Madrinha Rizelda

Madrinha Rizelda

Saturnino e Luzirene

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E, especialmente durante os festivais, um grupo de amigos e agregados.

2008 Encounter with Samúma Branca

A época do Festival no Santo Daime é bastante especial. Os trabalhos são intensos, sérios e extremamente disciplinados. E também há momentos únicos de beleza espontânea, brincadeiras e alegria. Foi quase tudo registrado por nós, ao longo do tempo.



Estamos agora planejando o próximo Encontro para o Novo Horizonte (dezembro a janeiro de 2010), que será o maior festival jamais ocorrido na Fortaleza. Nele honraremos, principalmente, o 70º aniversário do Mestre Conselheiro Luiz Mendes. Serão 10 dias de trabalhos espirituais seguidos de vários dias extras de feitio, ritual em que se faz o Daime.

Eu realmente não compreendo como é que temos uma agenda tão cheia, trabalhamos fisicamente de forma intensa ao mesmo tempo em que limpamos nossa consciência E AINDA conseguimos nos divertir tanto. Para mim, é um mistério.

Como diz o hino do Padrinho Alfredo:

O Mestre é o de Nazaré
E o Mistério é da Amazônia


Sim: purificação, amor, alegria, trabalho, companheirismo, brincadeiras, honestidade e muito mais confluem nos rituais e na vida da Fortaleza. Há seriedade E uma incrível doçura...



Flor das águas
da onde vens, para onde vais
Vou fazer minha limpeza
No coração está meu Pai

A morada do meu Pai
É no coração do mundo
Aonde existe todo amor
E tem um segredo profundo

Este segredo profundo
Está em toda humanidade
Se todos se conhecerem
Aqui dentro da verdade



O caminho interior é pessoal e único de cada indivíduo. Cada pessoa deve encontrar o seu (essa é uma das razões pelas quais não se convidam pessoas para o Daime). É claro: a verdade e a luz podem ser encontradas em todos os lugares, mas eu sempre amei a floresta, e foi nela onde sempre busquei. Abaixo está uma foto que tirei por volta de cinco anos atrás, no Oregon; ela mostra uma peça de altar no parapeito da janela do meu chalé na floresta. Naquela época, antes de me mudar para o Brasil, eu ainda ficava pensando em como seria aqui.


A Light in the Forest

Uma imagem vale por mil palavras, mas mesmo assim não chega perto da realidade. Tudo o que posso dizer, pessoalmente, é que sou grato por toda a luz na floresta. Sou grato por poder contar essa história. Sou grato por estar aqui com essa maravilhosa família e tantos amigos.

Eu recebi o que pedi.



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Wednesday, June 17, 2009

SANTO ANTÔNIO NO CÉU DO PLANALTO

(Traduzido por Marcello Pedroso)



Sábado passado, 13 de Junho, aconteceu o tradicional dia da festa de celebração de Santo Antônio, o tão amado patrono e protetor das crianças e da família. Foi também o primeiro de três dias de festas de Junho, que inclui o São João no dia 23 e o São Pedro no dia 28. Coletivamente, estes dias são chamados de Festivais de Junho e incluem uma rica cultura popular de comida, música, costumes, rituais (tanto seculares quanto espirituais), e mais. E, como pode se ver abaixo, o Céu do Planalto em Brasília estava todo vestido com coloridas e mágicas decorações .
Abrindo o Festival de Junho do Santo Daime, a celebração de Santo Antônio envolve uma noite inteira de cantoria e dança do hinário do Padrinho Sebastião, e mais. Totalizando em torno de 200 hinos, o ritual estendeu-se das 9 da noite até a manhã do dia seguinte.

Realmente não há como descrever ou documentar uma cerimônia como esta em palavras, então aqui está uma seqüencia de videos feita ao longo de toda a noite


















Com o amanhecer do sol inundando o salão, o último hino de Lúcio Mortimer (recebido logo antes de sua passagem) foi cantado com imensa alegria. Ele conta da Iluminação do Lucio e seu grande amor pelo Padrinho Sebastião.



Nenhum trabalho está completo sem um aniversário. Aqui está o Lucas

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Estes dois últimos meses, durante os quais estive aqui no Céu do Planalto - minha "casa fora de casa" -, têm sido um tempo de feliz reunião para mim. Tantos amigos e amadas pessoas estão aqui. E que linda nova igreja ! Tanta coisa para estar agradecido ! Como retorno em breve para o Acre para o restante do Festival, eu já estou sentido saudades. Eu dou vivas à toda a comunidade e um PARABÉNS especial à Gabriela e Marcelo, que irão casar-se na cerimônia de São João.


Eu amo todos vocês !


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Monday, March 30, 2009

CAMINHAR NA BELEZA

(Traduzido por Ana Spinelli)

Tenho estado um tanto deprimido, ultimamente. Acredite: é realmente possível sentir-se estranho no paraíso. E me refiro a uma estranheza real, daquele tipo que deixa a gente fazendo caretas.

Twisted

Deve ter a ver com fato de que ando pensando demais - o que é verdade, mas isso parece ser parte da minha natureza. Será que é por causa da opinião que eu tenho sobre o desenrolar dos fatos?

As coisas estão no seguinte pé:



Aqueles de vocês que me conhecem, sabem da minha trajetória como o tipo de cara que defende a floresta e é contra o materialismo. Estou morando em um dos lugares mais especiais do mundo enquanto ele entra em uma nova era de desenvolvimento material. É um desenvolvimento legítimo e merecido, mas que provavelmente terá enorme impacto na natureza. Como sair da pobreza, alcançar níveis razoáveis de conforto e também salvar a floresta? De certa forma, abracei a causa de forma pessoal; como dizem meus amigos índios, minha "cesta está cheia de pedras pesadas".


Primeiro, deixem-me descrever o cenário...

Esta região da Amazônia é conhecida por cientistas através da sigla MAP porque é composta das seguintes unidades políticas: Madre de Dios (no Peru), Acre (no Brasil) e Pando (na Bolívia).

A região geral é um dos maiores centros de biodiversidade no mundo e, espantosamente, é onde estão algumas das últimas tribos de povos indígenas que nunca entraram em contato direto com a sociedade moderna. E tudo isso ainda permanece ali porque não há pontes atravessando os grandes rios, de forma que estradas vindas de vários lugares terminam por lá. Fim da estrada, fim do mundo (do mundo do comércio, pelo menos). A menos que você seja traficante de cocaína, não há comércio significativo através das fronteiras. Essa região "selvagem" tem sido habitada por "tribos isoladas", seringueiros solitários e uns renegados.

É também o lugar em que Raimundo Irineu Serra e Chico Mendes descobriram e elaboraram suas missões espiritual e ambiental, respectivamente. Por coincidência, esses dois acreanos famosos nasceram na mesma data: 15 de dezembro. Hoje em dia, o Acre não pode mais ser considerado "fim do mundo", e as histórias desses dois homens são parte da grande difusão cultural que vem se desdobrando a partir da região. A revista Rolling Stone Brasil por exemplo, publicou recentemente uma matéria sobre a minúscula Fortaleza. .

Hoje em dia tudo parece ter sido tomado pela epidemia do desenvolvimento. Uma nova ponte foi inaugurada perto de Assissi, próxima ao ponto em que convergem Peru, Bolívia e Brasil. Quando a estrada que cruza o Peru for terminada, formará a primeira rota intercontinental de comércio. É fácil perceber as mudanças, conforme surgem os sinais de globalização em modernização. Mesmo para alguém que visita a região pela primeira vez, a impressão de “algo novo” prevalece. Formigam o comércio e os empreendimentos. E me pergunto: qual será o impacto disso na floresta?

Meu primeiro encontro com a floresta Amazônica foi há alguns anos atrás quando visitei a comunidade de Santo Daime do Mapiá (que fica no rio Amazonas, mas o acesso é feito pelo Acre). Cheguei ali maravilhado e exausto; maravilhado porque aquela era minha primeira visita à Amazônia, e exausto porque nas duas semanas anteriores eu havia viajado dos EUA para Brasília e depois até o sudeste do Brasil para participar de uma intensa cerimônia de quatro dias, seguida imediatamente de mais quatro dias de uma viagem até o Mapiá que incluiu ônibus, avião, táxi e barco. A jornada através do Acre foi a primeira vez em que pude testemunhar a incrível destruição infligida na floresta no passado da região. Me lembro da sensação estranha de estar ao mesmo tempo agradecido por estar lá e também incrivelmente triste. Aquilo me confundia.

Há uma história paralela, nesse ponto:

Na minha primeira manhã no Mapiá, acordei ao raiar do sol, tomei café com todo mundo e rumei para a floresta para coletar folhas de Rainha para a preparação do sacramento Daime. Trabalhei por apenas 20 minutos sob o sol já quente da manhã quando repentinamente comecei a passar mal e vomitar. Era como se todo o estresse dos dias anteriores estivesse sendo expulso de mim. Meus amigos me ajudaram a voltar para a casa onde estávamos ficando e me deitaram em uma rede, de onde eu levantava só para vomitar. Era impossível manter no estômago qualquer coisa – comida ou água –, e foi assim até o dia seguinte.

Quando eu já dava sinais de séria desidratação, meus amigos chamaram Francisca Corrente, uma magnífica curandeira mapiense. Ela chegou e me deu para beber um pouco de Daime, que imediatamente vomitei, claro. Então ela me pediu para respirar puxando o ar bem devagar e começou a cantar suavemente um de seus lindos hinos, aquele que fala da borboleta azul – a espetacular Morpho Azul que habita as florestas tropicais. Ela repetiu o hino várias vezes por o que me pareceu ser um longo tempo. Aos poucos senti a calma retornando e alcançando fundo o meu corpo.

Quando fiquei tranquilo, ela começou a falar comigo através de um tradutor. Disse que eu estava muito aberto e que havia agora muitos “seres da escuridão me seguindo e tentando causar confusão”. Ela disse que eu iria percebê-los na forma de “pensamentos difíceis”. E continuou, dizendo que havia “cantado o hino para dentro do meu corpo”, fazendo-o deslizar para o meu interior a cada respiração profunda; agora ele estaria sempre lá, como um guia. “Quando você se sentir confuso”, ela disse, “procure a borboleta azul e siga-a. Ela voa pelo caminho certo, o caminho de Juramidam”.

Na noite seguinte compareci à minha primeira sessão de Santo Daime no Mapiá, onde tomei um Daime bem forte. Sentei-me, fechei os olhos e tive uma visão que chegou quase que imediatamente. Era uma linda borboleta azul. Eu a observava e me fascinava com o movimento de suas asas que pareciam seguir um padrão especial: batiam três vezes e então a borboleta entrava na floresta. Ela estava seguindo a batida dos maracás que estabeleciam o ritmo do hinos sendo cantados na cerimônia. Sim: ela estava seguindo o caminho de Juramidam.

Hoje me sinto, de certa forma, similarmente aberto e até hipersensível sob o impacto do poder de limpeza do Daime forte aqui da Fortaleza e de suas cerimônias poderosas. E frequentemente me sinto vulnerável, boquiaberto e completamente confuso. É difícil “saber onde eu estou”.

Por exemplo: aqui estou, sentado ao compuador,

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em algum lugar perto de lugar algum, digitando um artigo para um público mundialmente disperso e distante da floresta amazônica. Conforme digito, observo um mundo primordial de verde, uma verdadeira vista verde; mas meus pensamentos vagueiam pelas contradições da existência moderna. Meu coração se enche de amor pelas florestas e seus povos. Minha mente está obcecada com os desafios de se alcançar uma harmonia entre os seres humanos e o mundo natural. Acostumei-me a conversar sobre essas coisas pela Internet; mas estou agora na zona Inter-Not-Yet [trocadilho em inglês que significaria algo como: “Inter-Não-Ainda”, ou seja, a Internet ainda não chegou na região - NT].

Então, de tempos em tempos, viajo para Rio Branco para passar um tempo online na biblioteca pública da cidade, um prédio equipado com ar-condicionado e tecnologia digital de ponta (claramente resultado do desenvolvimento e da modernização econômicos).

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Ao navegar pela Internet, leio que o presidente Lula anunciou um “pacote de incentivos econômicos”para o desenvolvimento de infra-estrutura (mega-estradas e projetos de hidrelétricas) no interior (ou seja: Amazônia e Cerrado) na expectativa de barrar os efeitos negativos da crise econômica mundial. Em outra reportagem, leio que a EMBRAPA (mundialmente reconhecido instituto brasileiro de pesquisas em agricultura tropical) está lançando um programa de emergência para desenvolver novas variedades resistentes à seca, como preparação para as possíveis consequencias do aquecimento global. Em outro lugar, leio que não dá para esperar ações significativas por parte do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) porque seu orçamento é de menos de 200 milhões de reais, enquanto o do Ministério da Agricultura chega a 22 bilhões. Minha amiga Kelpie me manda um link para um relatório dizendo que grande parte da floresta amazônica pode vir a desaparecer nas próximas décadas por causa da mudança climática. Em um fórum online, debato com ela se o incentivo ao poder de decisão feminino e a diminuição dos índices de crescimento populacionais poderiam diminuir drasticamente o impacto ecológico humano no planeta?

Nenhuma das alternativas acima me parece grande coisa.

Então volto para a Fortaleza, onde até mesmo minha localização física agora parece uma metáfora para o enorme desafio que são o desenvolvimento e a sustentabilidade. De certa forma, a casinha que estou construindo está simbolicamente situada em meio à contradição.

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De um lado está a “Fortaleza central” com as áreas de convivência e centro de visitantes

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e também sua “zona industrial”, com fogão a lenha, garagem, um novo reservatório de água e “chuveiros públicos”

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Do outro lado, a vista da janela acima do meu computador mostra a “zona de agricultura” com plantações mistas de banana, milho, abóbora, arroz, mandioca, etc.

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A vista termina em um horizonte criado por uma grande parede de floresta, uma fronteira.

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Mas hoje em dia a fronteira florestal vem encolhendo de forma alarmante no mundo todo. Claro: não há desmatamento na Fortaleza, mas é impossível para mim estar aqui sem pensar no impacto devastador que os seres humanos vêm tendo sobre o planeta e suas florestas. O consumo exacerbado do pós-Segunda Guerra e a sanha do mundo industrial por combustíveis fósseis não têm paralelo em toda a história da humanidade. As estatísticas mundiais são assustadoras. Metade de todas as florestas primárias do planeta foi desmatada desde 1950. E hoje o desenvolvimento econômico e a modernização vêm trazendo o poder de compra a populações que antes eram pobres demais para consumir.

NÃO, aqui nós não exploramos a terra e nossas melhorias materiais são em escala muito reduzida. Mas quando eu as multiplico pelas milhões de pessoas que vêm entrando no novo ciclo de desenvolvimento material mundial, posso dizer que não é algo muito animador para a Terra e para as matas. De fato: às vezes me sinto como se estivesse no coração espiritual do mundo e na barriga do monstro, sendo o monstro a nossa natureza humana coletiva que não pára de se expandir e consumir e desperdiçar.

Como eu disse, somos bastante pequenos, aqui. A eletricidade chegou há dois anos e temos agora umas geladeiras novas, itens elétricos de cozinha, TVs e, é claro, meu computador. E todos comemos carne: uma variedade brasileira de carne vinda de gado criado solto no pasto, alimentado com grama e sem muitos aditivos químicos, o que é melhor para a saúde e não tão bom para a floresta (o Greenpeace publicou recentemente um estudo mostrando que 80% das terras desmatadas na Amazônia nos últimos 20 anos são hoje usadas para criação de gado e produção de carne.) E, sim, minha casa é feita de madeira. Há vários exemplos que eu poderia dar, mas, no fim das contas, a verdade é que ninguém aqui vive naquele nível ecológico de consumo e ativismo dos meus amigos lá do Oregon: um modo de vida politicamente correto do tipo “salve a floresta”, com consciência ambiental e estilo natural e orgânico segundo o qual a simplicidade é bela. Não chega nem perto disso.

Mas me preocupo seriamente sobre o caminho por que estamos sendo todos levados pelas forças coletivas do desenvolvimento econômico e material. Por isso, disparou algo dentro de mim quando Saturnino disse:

“Lou, gostaria que você documentasse as coisas que estamos construindo e todo o desenvolvimento que estamos trazendo. É importante que as pessoas entendam quanto trabalho dá criar um espaço físico que possa receber visitantes e oferecer cerimônias espirituais. As pessoas quase nunca entendem que há muito mais questões envolvidas do que apenas fazer e servir Daime e conduzir sessões espirituais”.

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Mas temo que as palavras dele tenham cutucado os meus medos. É claro que foi um pedido perfeitamente apropriado e razoável, mas desencadeou uma rebelião dentro de mim. Eu pensava algo como: “Opa... Eu sou uma voz para a floresta, uma voz de certa forma até um pouco espiritual. Não sei como ser uma voz para o desenvolvimento material. Não sou esse tipo de narrador. Como é que fui arrumar essa função? Sou muito mais ajudar a desenvolver programas de educação ambiental ou trabalhar e algum projeto inovador sobre sustentabilidade”.

Então Saturnino me mostrava o solo arado recentemente perto da plantação de abacaxi

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ou o chão limpo de vegetação no jardim de Rainhas, ou o enorme gramado da área de convivência, e dizia: “Não é lindo?”, e eu pensava: “Opa... Gramados não são lindos. São uma guerra contra a natureza. É só ver a quantidade de tempo, combustível e trabalho despendidos para mantê-los”. Mas depois eu percebia que havia uma razão para os gramados.

Esse mato tropical é alto

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e abriga várias criaturas. Pode haver de tudo morando ali...



Crianças brincam e pessoas acampam nessas áreas, e muitos passam um bom tempo coletando folhas no jardim de Rainhas. Tornar essas áreas humanamente acessíveis, seguras e atraentes também é lindo. Isso é certamente verdade, mas o narrador em mim não estava nem um pouco inspirado. Como poderia eu, um dos pioneiros do idealismo ecológico, contar essa história? Era mais um dilema.

Na verdade essas tensões vêm aumentando desde que cheguei no Brasil e parecem ter chegado ao ápice quando comecei meus “desenvolvimentos” na Fortaleza. Mas tem sido difícil para mim a inspiração. Não tenho publicado fotos novas na internet, e isso me faz sentir meio mal com relação ao meu desempenho como “fotógrafo oficial da Fortaleza”. Cheguei até a pensar se eu deveria mesmo estar aqui. Estava desencorajado e começando a não ver mais saída para a situação.

No último sábado fiz o que normalmente faço quando estou triste: saí em uma longa caminhada. Afastei-me e rumei para a estrada de terra que liga com a rodovia principal.

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E vi a solitária castanheira.

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É prática comum deixar as castanheiras em pé durante o desflorestamento, e elas acabam se tornando monumento ao passado, seus enormes galhos projetando-se acima do que já foi a copa de uma densa floresta – uma floresta que foi ao chão.

Por alguma razão pensei no último verso do hino final do Mestre Irineu:

Meu corpo na terra fria
Desprezado no relento
Alguém fala em meu nome
Alguma vez em pensamento


Quando eu morava nos Estados Unidos, fui uma dessas vozes, que falavam não pelo movimento do Santo Daime, mas pelo movimento em prol da floresta. De fato, ainda anseio por ter esse tipo de voz. Me senti muito triste.

Caminhei por um bom tempo e não retornei à Fortaleza até o entardecer. Quando cheguei, as pessoas disseram: “Vamos, Lou. Todo mundo está se reunindo na casa do Padrinho. Nós vamos cantar as orações”. Bem, eu simplesmente não estava afim. Estava com calor, suando e precisava de um banho, e realmente não queria estar com pessoas. Só queria entrar debaixo do chuveiro e ficar quieto em casa, e foi o que eu fiz. Mas os pensamentos vieram com tudo e fui fazer o que normalmente faço quando quero escapar: me afogo em trabalho. Para mim, isso significa sentar no computador e processar fotos. Quando o primeiro grupo ficou pronto, decidi me divertir um pouco fazendo arte no Photoshop. Apesar da presença de visitantes e parentes de fora na comunidade, fiquei sozinho naquela noite.

E os pensamentos não paravam. Pensei: “Caramba. Finalmente volto para casa para ficar com minha família e descubro que não consigo falar com ninguém. A barreira da linguagem é enorme, e todo mundo está sempre tão ocupado trabalhando que provavelmente ninguém teria tempo ou vontade de sentar-se com um velho aposentado e ‘apreciar a natureza’ como se estivesse em um banco de parque enquanto discute ‘os insuperáveis problemas do mundo moderno’”. Me senti muito sozinho. “Talvez fosse diferente se eu simplesmente tivesse um amigo com quem pudesse passar o tempo”, pensei.

No dia seguinte recebi a visita do Edson Alexandre. Ele me parece uma pessoa cheia de amor e luz. Sempre me sinto honrado quando ele vem me visitar. Seu papel na comunidade espiritual é importante e ele traz regularmente hinos maravilhosos à Doutrina em expansão do Santo Daime. Por exemplo: no vídeo abaixo, ele está apresentando um novo hino. Chama-se “Luz, luz, luz”.



O Edson não fala inglês, então não pudemos conversar muito, mas eu sei que ele adora ouvir música. Botei para tocar alguns MP3 armazenados no computador e gravei um CD com os álbuns de que ele mais gostou. Realmente adoro observar a forma como ele se senta por longos períodos na minha varanda aproveitando a vista para a floresta. Sem muitas palavras, não deixa de ser um fantástico compartilhamento. Eu me senti menos solitário. Talvez as coisas não fossem tão ruins quanto eu pensava.

No dia seguinte recebi a visita de Polidoro, de 9 anos de idade. Ele adora a natureza e sempre traz seus passarinhos de estimação para o caso de eu querer fazer um videoclipe. Ele tem verdadeira fascinação com o computador. Em seu comportamento calmo, mas intensamente atento, postou-se em silêncio atrás de mim para ver em que eu estava trabalhando. Eu ainda não tinha terminado de melhorar a imagem da noite anterior, e aplicava alguns filtros de Photoshop.

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Perguntei para ele: “Você gosta?”, e ele fez um forte SIM! com a cabeça. Então olhei pela janela e falei: “Mas eu acho a natureza muito melhor, o que você acha?”

Um sorriso despontou em seu rosto moreno e meio sujo, e seus olhos eram dois pontos de luz.

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Então outra memória atravessou a minha mente… Alguns anos atrás, meses depois que a filha mais nova do Murilo nasceu, perguntei: “Como é ser um pai trazendo ao mundo uma criança em tempos tão difíceis?” Ele pensou por uns instantes e então disse quietamente, quase num murmúrio: “Lou, as crianças são a nossa esperança”.

Voltei ao presente e perguntei a Polidoro se ele gostaria de explorar a natureza comigo, e acrescentei: “Talvez eu possa ensinar um pouco de inglês para você e você poderia ser meu professor de português. O que você acha?” Ele deu outro de seus fantásticos sorrisos e estendeu sua mão para apertar a minha. Acho que encontrei meu amigo.

O Padrinho Luiz adora dizer, rindo, que “a simplicidade é o caminho da tranquilidade emocional”

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e o lema deste centro espiritual diz que: “A Humildade é o Símbolo da Nobreza”.

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Mesmo assim, aqui estava eu ainda me perguntando como ser humilde e simples. Minha voz interior respondeu: “Você poderia se juntar à raça humana e admitir que realmente não sabe nenhuma das respostas para os grandes dilemas do desenvolvimento sustentável. Talvez compartilhar as fotos que tira das belezas que você descobre na natureza e no ambiente humano criado em torno de si seja tudo o que pode fazer agora”.

Sem dúvida parecia a coisa certa. Voltei de meus pensamentos e olhei para fora a tempo de ver uma borboleta azul passar voando pelo meu pequeno “quarto com vista”.

Abaixo está a outra janela com vista digital, uma sequencia de fotos das belezas da Fortaleza – tanto as naturais quanto as criadas pelas mãos humanas.



Então como harmonizar as pessoas e a floresta? O que é mais importante: natureza ou cultura? Essas questões polarizadoras agora me parecem fonte de grande parte da minha confusão mental. A simples verdade é que a natureza é a própria base de nossa existência, e a cultura cria as escolhas de como conviver com a natureza. A verdade emergente e desafiadora é que, nesses tempos atuais de crise ecológica, a cultura e a natureza irão levantar-se ou cair juntas. Assim como as pessoas e criaturas! Tenho esperanças de que a Fortaleza seja um desses lugares em que podemos aprender um pouco sobre como nutrir uma saudável reconexão – com o espírito, com a cultura, com a natureza e uns com os outros.

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É verdade que é preciso uma quantidade considerável de trabalho para criar, manter e continuar expandindo a Fortaleza. Muito já foi alcançado, muito há que ser feito. É sempre um aperfeiçoamento, um trabalho de amor. Talvez você gostaria de vir fazer uma visita e sentar na minha varanda. O que continuo percebendo é que o verdadeiro trabalho que nunca termina é o de seguir o próprio coração. É isso que estou aprendendo a fazer.

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Eu estava aqui sentado junto ao computador e à paisagem, dando os toques finais neste texto, enquanto ouvia o lindo hinário de Rosana Cristiane Pereira. Assim que começou o hino “Eu chamo Juramidam”, uma borboleta Morpho Azul passou voando (sem brincadeira!). Acho que é isso que significa “viver na Doutrina”. Meu amigo Jonathan sugeriu que é disso que os índios norte-americanos querem dizer quando falam em “Caminhar na Beleza”. Não sei. Palavras são inadequadas. Estar aqui é melhor.


[CORREÇÃO: Conforme eu reconstruía o dia da foto de Polidoro, percebi que o rosto dele não é assim tão queimado de sol. Por volta de uma hora antes ele estivera brincando no mato alto e havia mexido em uma colméia. Levou nove picadas, incluindo uma no rosto. Mesmo assim ele sorria para a câmera e achava que a natureza era "melhor". Que cara fantástico!

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A foto acima mostra as costas dele.]

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